José Ortega y Gasset trouxe-nos uma preocupação com o que chamou de “homem-massa”, especialmente em sua obra A rebelião das massas.  Destaco, por ora, o capítulo XI, intitulado A época do ‘mocinho satisfeito’, onde o autor constata que homens vulgares, fracos e pseudos sábios (mimizentos, numa linguagem atual), antes dirigidos, agora querem governar o mundo. O filósofo brasileiro e contemporâneo Luiz Felipe Pondé constantemente apimenta o tema ao lançar provocações no debate público das redes sociais sobre os mimizentos que desejam salvar o planeta, mas ainda são incapazes de arrumarem seus respectivos quartos de dormir.

Numa dimensão maior do problema, constata-se as constantes eleições de homens medíocres ao redor do mundo, moral e intelectualmente, para governar uma população cada vez mais sintonizada com o homem-massa gassetiano. Analisemos os eleitos (e a eleita) para ocuparem o cargo de Chefe do Executivo nas últimas décadas, nossos congressistas e nossa suprema corte… Bem… pensando melhor, desnecessário desperdiçarmos nosso precioso tempo com obviedades.

Gasset trará outra importante advertência com o que denominou de “a barbárie do especialismo”[1], onde endeusamos o cientista especialista e presumimos sua infalibilidade, ou pior, que ele preservará sua suposta competência para além dos limites de sua especialidade. Feliz ou infelizmente, tais especialistas erram barbaramente e tropeçam, como qualquer outro, em suas respetivas arrogâncias. O ácido autor espanhol chega a afirmar que “o homem de ciência atual é o protótipo do homem-massa”[2]. Ecoo o pensamento e acrescento que, em geral, o especialista carece daquilo que poderíamos chamar de visão holística[3], integral ou multidimensional.

Por fim, o visionário autor continua com sua virilidade intelectual e intitula o capítulo XIII da obra citada de forma homônima ao presente tópico:  O maior perigo, o Estado. Nas palavras do filósofo mencionado:

“Esse é o maior perigo que hoje ameaça a civilização: a estratificação da vida, o intervencionismo do Estado, a absorção de toda a espontaneidade social pelo Estado; quer dizer, a anulação da espontaneidade histórica, que em definitivo sustenta, nutre e impele os destinos humanos”[4].

Seguindo a linha de pensamento desse pensador, fiquei receoso com a brutalidade das massas, pois o coletivismo dissolve a consciência individual e aloca a respectiva responsabilidade personalíssima por nossos atos em algum agente externo. Em suma, a massa não argumenta, lincha. Eis o perigo da tirania coletivista, também conhecida como ditadura do proletariado que, facilmente, pode descambar para a ilusão de conseguir o objeto de seu desejo sem o correspondente esforço e mérito pessoal, ou seja, mediante a usurpação do próximo. Nas palavras de Gasset:

“Mas o caso é que o homem-massa crê, com efeito, que ele é o Estado, e tenderá cada vez mais a fazê-lo funcionar a qualquer pretexto, a esmagar com ele toda a minoria criadora que o perturbe em qualquer ordem: em política, em ideias, em indústria”.

“O resultado desta tendência será fatal. A espontaneidade social ficará violentada uma vez e outra pela intervenção do Estado; nenhuma nova semente poderá frutificar. A sociedade terá de viver para o Estado; o homem, para a máquina do governo.

Por fim, como o maior perigo encontra-se no Estado que se torna instrumento do homem-massas (vide o populismo político hodierno), o maior valor que posso recomendar é o da liberdade em todas as suas dimensões e vertentes, entre elas: livre mercado, livre imprensa, livre arbítrio etc. Se ainda restar alguma dúvida, queridos filhos e leitores, não vejo nada mais fundamental para a prosperidade e o altruísmo que o valor da liberdade.

Por derradeiro, ao menos nesse tópico em particular, deixo a impactante, indigesta e brutal reflexão do intrépido filósofo espanhol:

“Adverte-se qual é o processo paradoxal e trágico do estadismo? A sociedade, para viver melhor, cria, como um utensílio, o Estado. Depois, o Estado se sobrepõe, e a sociedade tem de começar a viver para o Estado. Mas, no final das contas, o Estado se compõe ainda dos homens daquela sociedade. Entretanto, estes não bastam para sustentar o Estado e é preciso chamar estrangeiros (omissis). Os estrangeiros tornaram-se donos do Estado, e os restos da sociedade, do povo inicial, têm de viver escravo deles, de gente com a qual não tem nada que ver. A isso conduz o intervencionismo do Estado: o povo se converte em carne e massa que alimenta o mero artefato e máquina que é o Estado. O esqueleto come a carne que o rodeia. O andaime se torna proprietário e inquilino da casa”.

Portanto, se a liberdade é o valor passado nesse tópico, as seitas políticas e ideológicas em torno do estadismo (centralização de poder) são exatamente o seu oposto. Em suma, de um lado, a liberdade, do outro, o estadismo como sua antagonista.

[1] GASSET, José Ortega y, A rebelião das massas, versão digital, Ed. Ridendo Castigat Moraes, p. 177.

[2] GASSET, José Ortega y, A rebelião das massas, versão digital, Ed. Ridendo Castigat Moraes, p. 179

[3] O termo holístico, infelizmente, foi deturbado pelo misticismo New Age. Utilizei-o no sentido técnico.

[4] GASSET, José Ortega y, A rebelião das massas, versão digital, Ed. Ridendo Castigat Moraes, p. 193.