HOMENS OU GADO?

Numa Universidade de Filosofia, os alunos foram “desafiados” (evitei o termo “induzidos”, por mera camaradagem) a tecer argumentos racionais para mitigar nossas responsabilidades individuais e colocar o peso de suas ações nos ombros de algum fator externo qualquer.

O tema envolve as teorias da liberdade e a coragem de assumirmos o protagonismo de nossas próprias existências. Confesso que me restou a nítida impressão que a Universidade edificou altares à tibiez existencial e à covardia de empurrarmos a responsabilidade de nossas ações para a sociedade, a cultura, os costumes, enfim, jogarmos tudo nas costas da influência mesológica.

Depois de martelarem Marx, Freire e até Chauí (aquela que odeia a classe média[1]), além da Escola de Frankfurt, a Universidade avaliou seus alunos através das seguintes questões:

  1. Se é muito difícil vencer o balanço de desejos que resulta do caráter formado, a pessoa que falha em fazê-lo é ainda completamente livre e moralmente responsável?
  2. Não é a sua ação determinada em grande parte pelo seu caráter formado, que por sua vez é determinado pelo ambiente e pela hereditariedade, restando muito pouco espaço para a liberdade?

Explicitamente, não foi exigida uma resposta nesta ou naquela direção. Todavia, pela omissão estratégica de autores conservadores, liberais clássicos e libertários e verdadeira ode aos autores do espectro que chamo jocosamente de “50 tons de vermelho” (estadismo), não encontro muita dificuldade para visualizar a condenável manipulação das jovens mentes universitárias para uma única linha político-ideológica.

Solicito vênia para refazer as seguintes perguntas:

  1. O ambiente exerce poder totalitário e determinista de nossas ações?
  2. Somos gado conduzidos pela mesologia?
  3. Devemos relativizar (ou até mesmo, subverter) a responsabilidade personalíssima sobre nossos atos?

Peço atenção do leitor para verificar que a indução poderá advir até mesmo na colocação das perguntas. A Universidade induziu para um lado, eu para outro.

Advogarei a tese de que sempre existirá uma escolha, apensar das óbvias influências do meio. Em outras palavras, defendo a hipótese filosófica de que somos responsáveis por nossas ações. Vale dizer, não há determinismo absoluto do ambiente ou da hereditariedade (no sentido utilizado no desafio universitário). Enfim, se herança atitudinal houver, eu diria que somos herdeiros de nós mesmos.

Julgaria intelectualmente válido se a Universidade ofertasse, com a mesma profundidade, os argumentos das quatro principais vertentes políticas, a saber:

  1. Libertarianismo.
  2. Liberalismo clássico.
  3. Conservadorismo.
  4. Estadismo.

Também seria intelectualmente decente se as perguntas não induzissem a resposta, por exemplo:

  1. Existe livre arbítrio?
  2. O meio é neutro, influenciador ou determinista de nossas ações?

O desafio universitário ainda exige a análise de um caso hipotético, que envolve um cidadão fictício, de nome Bernardo. Ele pratica um roubo numa joalheria. Faço as seguintes perguntas retóricas:

  1. Por que esse ato não seria fruto de seu livre arbítrio?
  2. A sociedade teria determinado seu crime?
  3. Seria o criminoso vítima dos militares “malvados”, do capitalismo “opressor”, de alguma elite “reacionária” ou de valores cristãos supostamente “intimidadores”?

Novamente, precisamos explicar que a grama é verde, lembrando Chesterton. Responderei a tais questões com outro exemplo fictício, mas inspirado em casos reais. Lúcio e Pedro são irmãos, dentre outros cinco. Lúcio trilhou o caminho da honradez, apesar das dificuldades. Pedro, cedeu aos seus instintos ou desejos mais sombrios e chafurdou na imoralidade atitudinal. Os outros irmãos também têm suas diferentes escolhas e estilo peculiar e individualíssimo. Essa grande família foi criada pelos mesmos pais, mesmo ambiente e até mesmo uma alimentação semelhante para todos. Seria a mesologia a justificativa das diferenças atitudinais destes irmãos?

Parto de uma resposta negativa. Aqui, somos obrigados pela lógica e pelo bom senso, a colocar em cena também os fatores individuais e personalíssimos, não apenas os sociais ou coletivistas. Os mais espiritualistas trarão ao palco o nível espiritual de cada cidadão. Outros mais ligados e estudiosos da Psicologia apontarão características específicas de cada personalidade. Os mais ligados do Direito, dividi-los-ão entre dentro e fora da lei. Os religiosos, entre pecadores e virtuosos. Os entusiastas da moralidade, focarão na ética e no livre arbítrio. Enfim, a questão é multidimensional.

Defendo a legitimidade de todos os prismas, tanto os coletivistas como os individualistas. O meio influencia, mas sempre teremos nossas escolhas. Parto da hipótese filosófica, cuja premissa admite a posse de veículos de manifestação de nossa Consciência, Espírito (como citou Descartes e algumas linhas religiosas), Ser Essencial, Self (como preferia Jung), Alma (como desejam os católicos), dentre outras nomenclaturas específicas. Não nos preocupemos, ao menos nesse primeiro momento, com os significantes, mas sim com os conceitos ou significados.

Dentre nossos veículos de manifestação, temos o corpo físico e todos os impulsos instintivos e fluxos energéticos em constante interação com nossa sonda emocional. Com razão, os cientistas da área médica já admitem que um distúrbio emocional constante pode resultar num mal físico. Por exemplo: um nervosismo crônico poderá desencadear uma gastrite e assim por diante. Esse processo é conhecido como “somatização”, ou seja, levar para o “soma” (corpo físico) algo do nosso campo emocional.

O corpo físico (soma ou veículo material) atuará como um agente atrator ou depurador do veículo emocional (também chamado de “psicossoma”). Complicado? Temo que piore nas próximas linhas. Não somente agimos e sentimos, mas também pensamos. Portanto, temos ainda uma sonda ou atributo mental. Entretanto, se mudarmos nosso pensamento, ainda seremos nós mesmos, o que nos leva à conclusão de que podemos agir, sentir e pensar, mas não somos nossas ações, sentimentos ou pensamentos. Somos algo além disso tudo. Algo que orienta e conduz pensamentos, sentimentos e ações. Permitam-me uma analogia: somos o motorista destes veículos. Somos Consciência, Alma, Espírito ou um Ser Essencial, como preferirem designar.

Portanto, na hipótese de cedermos aos nossos instintos, às nossas emoções desequilibradas ou aos nossos maus pensamentos – atenção para a próxima afirmação – é porque assim decidimos fazer. A boa notícia é que nossa consciência foi capacitada para discernirmos entre o certo e o errado, além de interpretar e conduzir nossos veículos no sentido que optarmos. Bem-vindos, caros leitores, ao nosso livre arbítrio. Instintos e desejos nem sempre são ruins, aliás, muito pelo contrário, também são nossos instrumentos evolutivos. Todavia, se nossa consciência soar o alerta vermelho ao analisar algum desajuste em nossas sondas de manifestação, devemos escutá-la.

Podemos optar por agirmos como fortes ou fracos, bons ou maus, altruístas ou canalhas, em constante e infinito processo hereditário, mas como disse acima, somos os autores e os recebedores de nossa própria herança, oriunda daquilo que escolhemos pensar, sentir e agir. Neste diapasão, reitero a expressão usada no início: somos herdeiros de nós mesmos.

E a mesologia nisso tudo?  Advogo que a mesologia tenha significativa influência, sim senhor, mas nós também influenciamos o meio com nossas escolhas personalíssimas. Num linguajar mais poético: se o meio escravagista nos incomoda, sejamos Princesa Isabel. Nas palavras de Gandhi: “seja a mudança que desejas ver no mundo”. Se desejas distributivismo ou caridade, distribua seu próprio patrimônio ou seu próprio tempo com o próximo. Eis o altruísmo legítimo, nos moldes da Encíclica Rerum Novarum, já comentada em artigo pretérito.

Em suma, se desejas liberdade, sê responsável por suas decisões e ações, apesar do meio, e não apenas em razão do meio. Todavia, se desejas impor altruísmo ao próximo, ou seja, que o outro distribua seu patrimônio ou seu respectivo tempo com o semelhante, sinto dizer-te, prezado leitor, não serás altruísta por isso, mas sim um nada belo tirano ou um títere conduzido como gado por algum populista de plantão. Dir-te-ei de outro modo, apontando o exato limite da tua liberdade: tu mesmo, sem escapismos ou terceirizações.

[1] https://www.youtube.com/watch?v=svsMNFkQCHY

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